9 de julho de 2010

O Poço

Memórias são como pequenos fios mal conectados.Daqueles que uma hora resolvem funcionar,mas na outra param de vez.Minhas memórias são assim,me pegam desprevenida e quando eu não quero,elas resolvem juntar os fiozinhos e me lembrarem de algo que eu já achava ter esquecido.Acho que isso acontece com frequência porque algo em mim faz com que esses fiozinhos ao invés de desconectados,se conectem cada vem mais,puxando energia de qualquer coisa para funcionar.
É assim;É mais ou menos como um tiro que passa de raspão.Uma imagem,um cheiro ou um simples pedaço de papel comum é capaz de me levar à loucura com essa tal de memória.São cheiros,pequenos gestos e defeitos que eu havia jurado deixar para trás e nunca mais ligar para eles.Mas não adianta,eles voltam assim,como quem não quer nada.
Hoje o tiro acertou em cheio toda a defesa passageira que eu também achei ter.Tinha plena certeza que estava tudo sobre controle,até olhar os papéis,sentir os cheiros,ver os rostos e jogar ao vento todas as juras que um dia eu havia feito a mim mesma.
Foi ai então que o nexo nenhum e os mesmos erros começaram a vir à tona.
Já não distinguia o certo e o errado,a realidade do que era a merda de uma lembrança.Caminhei durante horas debatendo comigo mesma o que deveria e poderia estar acontecendo.
Uma memória concreta!
Vi diante de mim um poço daqueles tradicionais e nada comuns na cidade grande.Sem balde,sem água e com muitas lascas de pé na borda.Olhei fundo e me deparei com uma pequena luzinha que brilhava no fundo do poço.Desci lentamente pela corda frágil,rezando para que a mesma não rompesse até que eu chegasse lá,onde quer que fosse.Desci e encontrei um baú onde vi milhares de imagens,sons e objetos familiares.Estavam ali todas as coisas que eu já me lembrei e já me esqueci ao longo dessa vida.
Havia claro,muitas fotos e coisas que eu não precisava ver nem sentir.Mas do lado,algo que realmente importava me chamou a atenção.Era um bilhete que me dizia o que fazer dali pra frente.Se eu quisesse,claro.

"Não foi fácil reunir aqui tudo que pertence à você!
Pensei que fosse levar mais que o tempo necessário para que você achasse seus pertences e desse um jeito em tudo isso.O baú é seu,e assim como as coisas você pode decidir o que fazer com elas.
Abraços, EU"


Olhei a minha volta e nada mais além do que algumas vozes insuportáveis e rostinhos caricatos.Peguei meu baú e tentei sair dali com todas as coisas que eu tinha.Enfim um bom lugar para acessar esses arquivos e mantê-los longe da minha cabeça...
Tentei subir de volta,mas o peso era demais para a corda.Pensei estrategicamente no que deveria fazer com tudo aquilo e uma lembrança oportuna sussurrou o que eu deveria de fato fazer;me livrar de tudo aquilo.
A ideia foi tentadora e um pouco velha.Não digo que sempre senti vontade de me livrar de algumas coisas a mais,mas pensei que tudo aquilo fazia parte de mim,e que então eu tinha que carregar tudo comigo,até o fim!
Fechei o baú deixando minhas coisas para trás e subi pela corda gasta.O tempo suficiente para que ela me trouxesse ao topo e caísse ao lado do baú.Acho que depois disso ainda ouvi algumas vozes e risinhos vindo de baixo,não sei ao certo.
Olhei a minha volta e tudo parecia fazer o sentido mais incorreto.Pensei em uma saída e até duas,mas nada fiz.Olhando para trás,o velho poço amigo que tocou na minha ferida de lembranças.Não sei o que sentir e como reagir.Não sei se pretendo voltar de novo e esperar o próximo tiro disparado.
Talvez eu fuja do alvo,ou caia no poço de vez.

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